
IZABEL
8 de junho de 2015 / 0 Comentários De manhã sempre a vejo, varrendo a calçada da casa vizinha, de frente à minha. Lenço branco na cabeça, corpo franzino, tez escura, com seus braços finos tangendo a vassoura como se fosse uma arpa.
Izabel é para mim é um anjo, mistura de simplicidade e inocência, respondendo ao cumprimento com respeito e alegria.
Fico muitas vezes preso àquela imagem que me deslumbra tanto, a de um ser humano que faz das tarefas comuns da vida uma obra de arte.
Se um dia for ao céu, após a morte (se é que o céu existe … estou falando para crentes e descrentes, de todas as religiões do mundo, até mesmo para os sem Deus, embora não saiba se isso é possível), gostaria de ver Izabel lá, de vez em quando, varrendo as calçadas de ouro e cristal.
Isto me leva a refletir sobre o que deixarei de ter no céu, considerando o pensamento religioso sobre a vida futura, que vai do totalmente profano, com virgens aguardando o homem bomba até um mundo totalmente espiritualizado.
Nunca mais sentirei aquele friozinho gostoso ou experimentarei um dia com garoa, não vou dar mais uma gostosa gargalhada.
Não que queira um churrasco no céu, mas um caldinho de cenoura com mandioquinha, um prato de lentilhas, coisas que consigo fazer, que me darão saudades.
Estou com o pé imobilizado, uma torção, passei uma noite sem dormir sofrendo dores, nunca mais uma dorzinha, que me faça sentir humano?
Bem se for assim quero curtir emoções que são puras, paixões dignificantes, vivenciar tanto a dor quanto o riso, procurando extrair de tudo que não é impuro um sentido eterno, já que nunca mais as experimentarei.
No céu não haverá lembranças das coisas passadas, diz a Bíblia, e creio nela. Mas a que lembranças se referem? A todas, sem distinção?
Quando se estabelecerem as fronteiras eternas, adeus a qualquer experiência passada?
Não serei inteiramente feliz no céu, se não puder ver novamente Izabel varrendo a calçada, por isso creio em viagem no tempo, mas a partir da eternidade.
Teremos uma grande biblioteca à nossa disposição, onde vivenciaremos o passado como se lá estivéssemos. Evidente que não será uma biblioteca de livros.
E o meu caldinho? Bem, Jesus com seu corpo ressuscitado comeu uns peixinhos com seus discípulos. Se me der vontade, e Deus o permitir, quem sabe?
E minha noite sem dormir com dor no pé? seria legal revivê-la, para me lembrar do que fui liberto, e explodir-me em glórias e júbilos ao criador e redentor, Cristo o Senhor.
Parafraseando o rei Agripa: “Edson, Edson, teus devaneios te fazem delirar!”
Prefiro meus delírios ao ócio de nada pensar e nada refletir.
Embora não o tenha lido, apenas feito consultas, há um livro que fala sobre o Habitat Humano, o paraíso ausente, do pastor presbiteriano Dr. Heber Carlos de Campos. Não foi ele que inspirou minhas reflexões, mas citarei uma de suas muitas considerações:
“A restauração do nosso habitat é a restauração a sua forma pura, original.” “O homem reinava ali no Éden, sendo um corregente do Criador.” “Depois da queda, ele perdeu o domínio perfeito do habitat e passou a usá-lo para seus propósitos ímpios e egoístas, não tratando a terra como deveria.” “Mas Deus, por sua graça, restaurará o homem e o porá no habitat restaurado para que ele venha a ter novamente o governo sobre o universo físico”.
Não me alinho totalmente ao texto acima, mas dele decorre a seguinte inflexão – Não podemos expurgar a nossa humanidade dos nossos pensamentos sobre o céu. Precisamos não incorrer no erro de desumanizar o céu, mas não devemos torna-lo um lugar físico, material.
Cristo tornou-se humano – “O verbo se fez carne”. A humanidade é uma criação divina e, mediante a redenção, humanos se tornam filhos de Deus, sem deixarem de ser humanos.
Os céus, estejam onde estiverem, serão o habitat dos humanos redimidos.
Devemos valorizar nossas experiências humanas, aquelas que nos tornam dignos da nossa vocação eterna, vendo em nossas vivências terrenas uma experiência ímpar e empolgante, na fé e esperança de que as viveremos de maneira plena e espetacularmente gloriosa numa dimensão celestial.
Vou terminar com Manuel Bandeira, com pequenas alterações no seu texto original:
Izabel pura, Izabel boa,
Izabel sempre de bom humor.
Imagino Izabel entrando no céu.
“Licença São Pedro!”
E São Pedro bonachão : “Entra Izabel, você não precisa pedir licença.”
O JORNALEIRO.
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